Extraído de QUESTÃO DE ESPAÇO

Sem Sentido

Pura e doce.
Arrogâncias que se dissolviam
como dissonância no ar.
Será que é pra
mostrarmos pra todos
que somos capazes de brilhar
sem purpurina,
de amarmos sem paralelepípedos
e conseguirmos viver sem o
barulho do liqüidificador
ou o ronco da máquina de lavar?
Não sei, ainda não tenho
máquina de lavar.
Ano passado
viver repassado
país amarrotado

 

Momentos na Noite

Com a colaboração de Marli Lana.
Este poema esteve entre os finalistas do concurso
Poesia Jovem das Bibliotecas Municipais de São Paulo, 1997

O mundo em silêncio dorme.
Um vento leve e suave
viaja nas roupas que se encontram nos varais.
Um arrepio.
Corro até as lágrimas para ver a vida.
O mundo dorme em silêncio
e a poesia nem serve mais
pra passar o tempo.
O tempo está queimando
e amanhã viajam bolachas.
Um sapato branco passeia no chão.
Junto com ele vem o dom
do meu desespero.
Umas estrelas enfeitam o céu
e o resto de luz, o vento levou,
meu cigarro já acabou,
a cachaça se despediu de mim
junto com a mulher e os quatro filhos,
junto com os atentos e os lamentos.
Sufoco, sufoco-me
num simples instante em saber
quem fui eu.
O cachorro latiu, latiu de novo,
a estrela continua grudada no céu,
o sapato branco me deu tchau
e a meia nem olhou pra trás
por saber que eu não a lavarei
jamais.
O cachorro latiu de novo,
ele queria ser notado
e eu também.

 

Diálogo com a Morte

Sorrindo, olho pra ela e falo:
– Você não tem nada a ver comigo!
A Morte também sorri e me responde:
– Claro que não, você é que tem a ver comigo!
Concordo popularmente:
– Para morrer basta estar vivo!
A Morte continua sorrindo e responde:
– Para viver basta estar morto!
Pergunto:
– Como é a vida depois que se morre?
Ela pára de sorrir, pensa e me responde:
– Não sei, eu ainda não morri!!!

 

Ó América, quantos corações
já bateram em suas Latinas vidas?
Tambores misturando-se e
desintegrando-se com as batidas
dos seus corações.
Quantas Américas Latinas
existiram um dia?
Quantos corações já bateram
em suas terras?
Insaciados corações canibais!

 

Ingênuo Furacão

Há mil anos atrás
eu era muito triste,
muito só,
me desmanchava em lágrimas;
certa vez, chorei tanto, mas tanto,
que minhas lágrimas
invadiram o mundo
e tudo se acabou.
Depois de mil anos
fiz amigos, conheci o amor
e uma luz se acendeu em meu coração
e hoje lá prevalece uma chama –
aliás, por que será que falam
que o mundo vai se acabar em chamas?

 

Restos

Entro no quarto e tiro a roupa
deixo o desbotado lenço cair no vão
pego a marmita e sento no chão
arroz e feijão, um pedaço de pão

Farto a solidão, sirvo-a no chão,
senta-se, alimento-a sem olhar para a mão
caio na cama como se fosse água
durmo tranqüilo como se fosse caspa

 

sonho o dia de parar de sonhar e viver a realidade.
os sonhos não seriam realidades?
realidades vividas e satisfeitas pelos açúcares amados:
um sabor de vidas verdes & maduras raízes;
quero viver intensamente,
não só em livros de literaturas.
vai que eu vou.
e se você não for,
eu vou

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